“É um foundling. Pelo Creed, ele está aos teus cuidados. Não tens escolha. Tens de reuni-lo à sua própria espécie. Este é o caminho.”
[Contém Spoiler]
The Mandalorian é a mais nova série da Disney que expande o universo de Star Wars, escrita principalmente por Jon Fraveau. É também a primeira série live action que passa a fazer parte do novo Canon, ao lado das animações Clone War (traduzida como Guerras Clônicas), que foi ao ar em duas sequências de 2003 a 2005, e de 2008 a 2014, e Rebels que estreou em 2014 e teve sua última temporada em 2018.
A série Mandalorian narra as aventuras do caçador de recompensas mandaloriano, ou “Mando” (Din Djarin, interpretado por Pedro Pascal), depois de quebrar seu contrato com a guilda, trair seu cliente e resgatar a criatura misteriosa. Agora o caçador de recompensas precisa fugir para proteger a criança, conhecida pela internet como “Baby Yoda”.
O cliente é, na verdade, um ex-oficial imperial. E a criança demonstra afinidade com os poderes da Força, o que já justifica o interesse dos ex-imperiais. Os eventos da série se passam durante a transição da queda do Império e a instauração da Nova República, em torno de cinco anos depois da destruição da segunda Estrela da Morte (em O Retorno de Jedi, 1983) e 25 anos antes dos confrontos entre a Primeira Ordem e a Resistência (em O Despertar da Força, 2015).
Com um sucesso oscilante dos seus filmes, a Disney parece ter acertado a medida na produção de conteúdo para a saga Star Wars com esta série. A recepção de Mandalorian foi extremamente positiva e, a meu ver, ocorre por diversos fatores. Alguns deles são mérito (ou demérito) da produção e execução das séries e dos filmes. Mas outros fatores, nem tanto. Tu deves ter uma ideia. Deixarei para falar destas coisas noutro momento.
Mas The Mandalorian tem algo que considero ser essencial para o seu sucesso. A série é capaz de reunir o clássico e o novo com simplicidade e bastante sensatez. Refiro-me aos elementos clássicos de Star Wars, sim. Mas também falo de seu gênero. Pois a série The Mandalorian é uma fusão futurista de Western com narrativa Samurai, atualizada e realocada numa galáxia muito distante.
Agora que chamei tua atenção, explico:
Não se deixe enganar pela presença de naves espaciais, blasters e AT-ST walkers. The Mandalorian é uma série de Western, e segue todos os seus padrões clássicos. Inclusive aqueles influenciados pelos filmes do diretor japonês Akira Kurosawa. Bom, não é como se fosse a primeira vez que Star Wars retira inspiração destas duas fontes.
Só falta um chapéu no Han Solo. E os Jedi curtiam um kimono.
A fusão entre Western e Samurai não é algo novo, como disse antes, e começa com as inspirações Western nos roteiros de Kurosawa, cujos filmes chegam nos Estados Unidos e influenciam as novas gerações do Western americano e seus subgêneros. Se tiveres interesse de ler um pouco mais sobre isso, recomendo começar por aqui (em inglês) ou aqui (em português).
O Western Clássico foi um gênero localizado no tempo, referindo-se às histórias ficcionais ambientadas no Velho Oeste americano na segunda metade do século XIX. Mas este gênero cresceu de várias formas diferentes. Em geral, identifica-se um Western quando a narrativa se estabelece num local de fronteira, com personagens endurecidas pelos confrontos com a natureza, e pelos esforços de estabelecer justiça e civilização numa região selvagem. Temas de duelos, viajantes solitários, vingança, cantinas e bares hostis, caçadas e recompensas, jornadas de fuga ou de exílio, são temas comuns do Western. Geralmente associado a terras sem lei, onde reina o mais forte, e seus enredos costumam ser sobre a proteção da cidade ou da família contra invasores, formação de um grupo de resistência composto por desajustados e excluídos, histórias de vingança de alguém prejudicado contra seu algoz, caçadores de recompensa e os fora-da-lei, que se confundem entre si a depender das circunstâncias.
Soa familiar?
Mandalorian é o mais recente scion dessa cadeia de herdeiros, daqueles com uma virada futurista sci-fi, ao lado de obras diversas como Samurai Jack, Cowboy Bebop, A Torre Negra e Firefly. E a nova série da Disney consegue manter os elementos clássicos bem alinhados à sua temática interna, e o contexto geral da saga Star Wars. Tudo se encaixa tão bem que parece simples. Como uma armadura mandaloriana, sem emendas e rachaduras.
Note a música, os temas gerais de paisagens desertas, cidades pequenas, planetas selvagens e a circunstância geral de fronteira. A condição de foragido que recai sobre Mando e o empurra para regiões mais distantes do centro da Nova República, suscetíveis aos tipos de narrativas retratadas no Velho Oeste. O próprio clima geral de incerteza e insegurança causados pela queda do Império Intergaláctico e o estabelecimento da Nova República, produzem um cenário de instabilidade bastante apropriado para este tipo de enredo.
Em meio a diversas inspirações de vários tipos diferentes de Western, trago pelo menos três comparações diretas.
O quarto episódio de Mandalorian, Sanctuary, empresta o enredo do filme de Akira Kurosawa Os Sete Samurais (1954), em que um grupo de samurais se reúne para salvar um vilarejo atacado por bandidos; ou talvez da sua contraparte americana, o The Magnificent Seven (1960).
No quinto episódio, the Gunslinger, Mando, um caçador de recompensas experiente, toma como aliado um jovem em sua primeira missão, numa narrativa que homenageia o The Shootist (1976), de John Wayne.
E os três primeiros episódios (the Mandalorian, the Child e the Sin) formam a tríade temática de um outro enredo Western típico, em que um guerreiro experiente precisa completar sua jornada cuidando de uma criança. A inspiração vem de diversos lugares, está no clássico americano 3 Godfathers (1948), e na narrativas japonesa Lone Wolf and Cub (o mangá de 1970, e o filme de 1972).
Em contato com estes clássicos, a série narra perfeitamente a história de um caçador de recompensas de um clã mandaloriano que precisa fazer a coisa certa, salvar uma criança e abandonar sua vida solitária. Que se entrega a uma jornada perigosa em uma galáxia conturbada, ainda envolta no caos deixado pela guerra. Assim, Mando precisa encontrar o caminho apropriado em seu Creed, entre inimigos e aliados inesperados, para cuidar da criança.
E talvez seja este o segredo do sucesso de Mandalorian. A série se lança no desconhecido do espaço como um projeto completamente novo em meio às controvérsias da franquia Star Wars. E o faz com uma base sólida, firmemente localizada nos seus predecessores clássicos que se encaixam na medida certa com sua proposta temática.
Ou talvez o sucesso venha da conversa mais engraçada já registrada entre dois stormtroopers.
Enfim, tenho altas expectativas para a continuação de The Mandalorian. A participação especial do Darksaber parece demonstrar a disposição da série de vir a fechar o arco de contato entre os Jedi e os Mandalorians. Algo me diz que a primeira temporada é apenas o prólogo para uma nova aventura Star Wars, diferente do que já vimos e, ao mesmo tempo, perfeitamente enraizada entre seus predecessores.
TL:DR ~ Muito Longo – Li foi nada!
A linha do tempo do novo Canon é confusa, mas poderia ser pior.
Mandalorian é o fusion de Wester-Samurai-Sci-Fi que estávamos precisando.
Eu já tenho meu Baby Yoda.
Feito pelo Rudy Fresa
Concordo na íntegra! Mandoloriano foi uma grata surpresa, ainda que longe de ser perfeita. A série apresenta alguns problemas pontuais que podem ser facilmente resolvidos ao longo do seu desenvolvimento, ao mesmo tempo que conserva um núcleo essencial que é, fundamentalmente, acertado. E digo isso tanto em termos de obra narrativa em geral, quanto no que diz respeito à uma obra narrativa situada no universo Star Wars: ela faz o básico, algo que parece cada vez mais difícil de ser feito na galáxia tão, tão distante, respeitando o cânone clássico, introduzindo novos aspectos próprios e mesclando em algo ao mesmo tempo novo e familiar. A série, juntamente com o jogo Star Wars: Jedi Fallen Order, são produções que deixam claro Star…
Como você já sabe dos nossos debates IRL, concordo 100% com a interpretação do Mandalorian como tributo aos westerns clássicos, seja de cowboys seja de samurais, além de homenagem a enredos que já estavam nas Legends e nas animações de Star Wars e que agora ganharam corpo e status de cânone numa mídia live action. Gostaria de saber, contudo, por que, na sua opinião, Jon Favreau e os outros criadores da série consideraram que este enredo, com este formato, era relevante para o nosso tempo. Considere, por exemplo, que ao escrever e dirigir o primeiro Iron Man, Jon Favreau pegou o conto do gênio playboy bilionário que salva o mundo numa armadura high tech de sua própria construção e o…