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Foto do escritorFernanda Borges da Costa

His Dark Materials (S01)

"É sobre controle, não é. Pois se você consegue remover a alma de alguém, você consegue fazer qualquer coisa."

[Contém Spoilers]


His Dark Materials é uma série de fantasia lançada pela HBO em 2019 e adaptada da trilogia de Philip Pullman, composta pelos livros “Northern Lights” (1995), “The Subtle Knife” (1997) e “The Amber Spyglass” (2000) que desenvolvem a história de Lyra Belacqua e Will Parry (traduzidos no Brasil como a coleção “Fronteiras do Universo”, dividida em “A Bússola de Ouro”, seguindo a edição americana, “A Faca Sutil” e “A Luneta Ambar”). A história de Pullman foi adaptada para um filme em 2007, “The Golden Compass”, que ficou sem continuação. Lembro da polêmica de quando a Igreja Católica chegou a banir o livros em 2002 e, depois, repudiou o filme, considerando-os perigosos por causa da sua representação de religião e do divino – que cabem como uma luva na mão da instituição de Roma. Confesso que a polêmica em torno da história foi o que me levou a procurar a trilogia para ler, e a polêmica acabou por ser a parte mais interessante da história.


Li a trilogia de Pullman a partir das traduções brasileiras em 2007, já no final da minha adolescência, depois em que eu já tinha devorado a maioria dos livros de fantasia mais imediatamente disponíveis e buscava novas experiências. A ousadia de Pullman, que declarou publicamente ter escrito os livros para desafiar as bases do cristianismo e da hierarquia religiosa, era seu atrativo principal. Infelizmente, esta trilogia não foi especialmente marcante ou interessante para mim. Desde quando li pela primeira vez lembro de sentir que tinha algo errado com a narrativa em si, o modo como os livros foram escritos, a estrutura da história e o crescimento das personagens principais. Havia ali um apanhado de ideias interessantes, mas pouco ou mal aproveitadas, com personagens que teriam sido mais instigantes se lhes tivesse sido dado espaço para crescer e não apenas para reproduzir simbolismos. Mas este não é o momento de falar dos livros, talvez noutra ocasião trago minha análise a respeito deles.


E por causa da minha opinião sobre os livros, relutei em assistir His Dark Materials. Mas a série me surpreendeu e até me agradou, na medida em que desfez alguns dos problemas que eu via na estrutura dos livros. Sem abandonar a narrativa original, ela reconta uma série de eventos que são ou subentendidos ou pouco explorados na versão de Pullman. De modo que este trabalho de adaptação entrará para a minha lista daqueles mais bem feitos, que conseguiram não apenas aproveitar bem o material original, como também melhorá-lo em alguma medida.


E me perguntas, e a história?


His Dark Materials se passa num mundo paralelo ao nosso, similar, porém diferente, numa versão steampunk Eduardiana (estilo inglês do início do século XIX). Neste mundo, todas as pessoas possuem desde o seu nascimento um daemon que toma a forma de um animal e acompanha todo ser humano até o momento de sua morte. As aventuras da menina Lyra Belacqua e seu daemon, Pantalaimon (que vem do grego e significa “o que tudo perdoa”), determinam a direção dos eventos da série. Lyra viveu por 12 anos no Jordan College, numa versão de Oxford, sob proteção escolástica requerida por seu tio, Lorde Asriel. Seu maior desejo era viajar para o Norte, para participar das explorações científicas de seu tio, mas quem lhe estende as mãos para iniciar uma jornada é a misteriosa Marisa Coulter. É a Sra. Coulter que leva Lyra de Oxford para Londres, sob a promessa de torná-la alguém importante e de procurar pelo pequeno Roger Parslow, melhor amigo de Lyra, que trabalhava nas cozinhas do Jordan College e desapareceu um dia antes da viagem de Lyra.



Antes de deixar sua antiga vida para trás, a menina recebe do Mestre do Jordan College um aparelho exótico chamado Aletiômetro, com as instruções de aprender por si mesma como ele funciona. As aventuras de Lyra a levam a descobrir mais do que gostaria sobre o mundo e muito mais do que esperava sobre si mesma. Seus pais verdadeiros são o próprio Lorde Asriel e a Marisa Coulter. Ambos investigadores a respeito do Pó, uma substância que se acumula sobre as pessoas adultas, mas não recai sobre crianças até que seus daemons assumam uma forma fixa na adolescência. Lyra também é objeto de uma profecia, que anuncia que ela trará grandes mudanças ao mundo, mas que para cumprir seu destino, deve segui-lo sem saber para onde se dirige.



Lyra viaja por um mundo em que os adultos raramente lhe dizem a verdade, com frequência a querem usar por alguma razão e que lhe escondem todo o tipo de informações, e por isso cresce desconfiada e aprende a lutar por si mesma. É assim que descobre que a Sra. Coulton é, na verdade, uma agente do Magistério e líder de uma organização secreta que sequestra crianças para fazer experimentos com o Pó, em busca de criar um mundo sem pecado.


Lyra, depois de fugir de Londres, viaja para o Norte em busca da base secreta onde as crianças foram levadas, entre elas seu amigo Roger, e para encontrar o seu pai, Lorde Asriel, pela primeira vez depois de descobrir a relação entre os dois. Lyra aos poucos descobre como ler o Aletiômetro e se torna capaz de descobrir qualquer coisa conforme desenvolve sua habilidade de se comunicar com os simbolismos do estranho aparelho. Mas mesmo esta capacidade não a prepara para o final da primeira parte de sua jornada, no topo da montanha mais alta do Norte.



A jornada pela Verdade



O Aletiômetro recebe o nome das raízes gregas que geram as palavras “verdade” e “medição”, e assim se define o mecanismo semelhante a um relógio ou uma bússola, capaz de apontar a verdade através dos símbolos inscritos em um círculo. Lyra é, aparentemente, a única pessoa neste mundo capaz de ler o Aletiômetro sem a ajuda dos vários livros que dirigem as infinitas possibilidades de interpretação dos seus símbolos. A habilidade de lê-lo lhe dá uma das poucas saídas para descobrir as verdades em torno do mundo e em torno de si. Algo que lhe foi negado por toda sua vida, desde qual a sua verdadeira origem e a predestinação que vários adivinhos e profetas já fizeram a seu respeito. Lyra também se prova exímia tecedora de mentiras e blefes, além de desenvolver a capacidade de perceber cada vez melhor quando um adulto mente. Ela própria se torna como o Aletiômetro, um medidor de verdades.



O tema da Verdade é colocado lado a lado com a jornada de autodescoberta e crescimento de Lyra, que já transita da infância para a adolescência. A descoberta de si mesma passa pela descoberta de quem são seus verdadeiros pais, o que investigam a respeito do Pó, e a localização e propósito em torno dos sequestros das crianças desaparecidas.



E toda sua trajetória a leva para uma descoberta maior da Verdade sobre o mundo em que vive, da existência de outros mundos paralelos ao seu e da capacidade de viajar entre eles. Conhecimento e capacidade antes de domínio exclusivo do Magistério.


O Pecado Original


Em paralelo ao tema da Verdade, His Dark Materials adentra no tema da religião. Especificamente, da ideia do Pecado Original e da culpa que a humanidade carrega por ele – representados na condensação do Pó sobre os adultos. Este tema é, de fato, o outro lado da moeda da Verdade. Seu lado obscuro, que age nas sobras, cheio de segredos e oculta a Verdade da humanidade. A primeira temporada segue, em grande parte, os limites do primeiro livro da trilogia (com alguns acréscimos de pano de fundo da vida de Will Parry e seu pai, o viajante interdimensional John Parry, investigados pelo agente do Magistério Lord Carlo Boreal), o que nos dá por enquanto apenas uma ideia geral de que tipo de Verdades o Magistério esconde.



O Magistério se prova a religião dominante do mundo de Lyra, que existe para honrar a uma única divindade chamada de Autoridade. E parecem especialmente preocupados em manter em segredo suas próprias investigações sobre o Pó (como as lideradas pela Sra. Coulter), assim como em impedir que outras pessoas desenvolvam quaisquer pesquisas nesta direção (como a do Lorde Asriel). O Magistério reúne sozinho tudo o que há de errado neste mundo, impõe censura sobre os estudiosos e pesquisadores, alimenta agentes em investigações secretas e experimentos mortais, claramente em busca de deter para si mesmo todo o poder e conhecimento mais essencial sobre o mundo.


A simbologia aqui é direcionada para ler Lyra como a humanidade daquela dimensão (e, de certa forma, a nossa própria condição), mantida na obscuridade, sem saber quem realmente é, a que está destinada e quem são seus pais. Lyra é fruto da relação adúltera que existiu entre Lorde Asriel e a então casada Sra. Coulter, e a condição de adultério determinada pelo Magistério marca a menina desde seu nascimento. O trauma desta relação atinge também Lorde Asriel e Marisa Coulter. Asriel passa a fazer investigações proibidas sobre informações do domínio do Magistério, em especial a respeito do Pó e das outras dimensões que aparecem em janelas celestes no extremo Norte do mundo.


Lorde Asriel trabalha sobre a hipótese de que o Pó não é uma marca de pecado, mas um fenômeno natural no mundo, que não existe apenas naquela dimensão, mas transita entre os outros planos que ele foi capaz de registrar em fotos especiais.



Por outro lado, Marisa Coulter trabalha como agente do Magistério e vive em penitência contra o seu próprio pecado de adultério, que a levou a perder o marido e, depois, a filha. Marisa acredita, como dita a religião do Magistério, que o Pó é a marca do pecado sobre a humanidade. Que as crianças não acumulam Pó por serem ainda inocentes, e que, de alguma forma, a relação entre os humanos e seus daemons fazem parte desta marca pecaminosa.



Marisa desenvolve experimentos para recriar uma humanidade anterior ao Pecado Original, cortando a ligação entre crianças e seus daemons antes que tenham se estabilizado em uma única forma animal. Os daemons são parte da alma humana, sempre do sexo oposto ao da pessoa que acompanham. Por exemplo, Lyra tem um daemon masculino, Pantalaimon, enquanto Roger tem um daemon feminino, Salcilia. Eles são como as duas metades da alma no mito do Hermafrodita.


Uma parte considerável da simbologia da série, derivada da própria estrutura dos livros, dá a entender que o obscurantismo é mantido no mundo em prol da concentração do poder de alguns – em especial daqueles que dizem ter o domínio sobre todas as Verdades do mundo e da humanidade. E crianças como Lyra, sob certas condições, são as únicas capazes de entender e perseguir a verdade, entre a perda da inocência o desvelar da adolescência. Lyra se descobre como o próprio Aletiômetro em sua jornada, como a ferramenta capaz de desvendar as verdades do universo.



TL:DR ~ Muito Longo – Li foi nada!

  1. His Dark Materials consegue apresentar de modo mais orgânico as missões e acontecimentos paralelos à jornada de Lyra, em comparação com os livros.

  2. Os temas principais são da Verdade e do Obscurantismo (em especial, o religioso).

  3. Não recomendo o livro tanto quanto a série.

  4. Talvez eu crie coragem de reler Northern Lights para uma nova resenha.


Gostou da série? O que achas dos temas, e quais outros pontos da série podem ser explicados através deles? Vamos discutir!

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